Captura de carbono e o caminho para o Net Zero
É paradoxal que, embora o dióxido de carbono (CO2) seja essencial para toda a vida vegetal na Terra, da qual depende toda a vida animal e humana, muito desse gás essencial na atmosfera está causando o aquecimento global, ameaçando a própria sobrevivência de algumas populações.
O problema das emissões de CO2 decorrentes do aumento da queima de combustíveis fósseis remonta ao século XVIII, com o início da revolução industrial em alguns países. Hoje, os cientistas estimam que o aumento da temperatura média global deve chegar a 1,5oC até 2030-2052 (Figura 1). O volume de emissões de CO2 é agravado pela industrialização, urbanização e aumento acentuado da população mundial (Figura 2).
A 21ª Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas (COP21) em 2015 adotou uma meta ambiciosa chamada “corrida para zero” até 2050. Este importante objetivo de eliminar completamente as emissões líquidas de carbono em menos de 30 anos exigirá mudanças universais nos processos industriais globais e nas práticas energéticas domésticas. Os métodos mais conhecidos para atingir esse objetivo envolvem várias formas sustentáveis de geração de energia, como eólica e solar; no entanto, uma abordagem menos divulgada, mas igualmente importante, é a captura de CO2 na fonte ou diretamente da atmosfera (captura de carbono). As tecnologias envolvidas são restritas por altos custos e capacidade de armazenamento um tanto limitada, portanto, atualmente, apenas 0,1% das emissões globais de CO2 é sequestrada e a previsão é de para aumentar para 19% até 2050. Os esforços de pesquisa em tecnologia de captura de carbono aumentaram nos últimos anos, mas até o momento, apenas algumas aplicações foram implantadas comercialmente. Com a crescente conscientização e urgência do público em relação à prevenção ou redução das mudanças climáticas, aumenta a pressão para desenvolver tecnologias de captura de carbono mais eficientes.
Captura de carbono no CAS Content Collection™
O CAS Content Collection™ é a maior coleção de conhecimento científico publicado com curadoria humana, adequada para análise quantitativa de publicações científicas globais em relação a variáveis como tempo, área de pesquisa, formulação, aplicação e composição química. Para avaliar o esforço de pesquisa recente e contínuo sobre captura de carbono, um novo e importante relatório do CAS Insights fornece uma visão geral das últimas tendências. O insight resume os resultados de uma extensa análise recente (~18.500 documentos publicados entre 2000 e 2021) detalhando termos relacionados à captura de carbono, incluindo métodos empregados, armazenamento ou conversão, que foram usados em combinação com termos relacionados ao CO2 atmosférico ou seu efeito no meio ambiente.
Principais tendências de pesquisa e métodos de captura de carbono
A análise da literatura revelou que, desde 2008, houve um rápido aumento em todas as publicações sobre captura e armazenamento de carbono, que desacelerou a partir de meados da década de 2010, tendo voltado a aumentar mais recentemente. Isso pode refletir as condições econômicas predominantes e a sensação de urgência, mas também parece estar ligada aos preços do petróleo. Quando os preços do petróleo estão baixos, a captura de carbono parece muito cara, então os esforços de sequestro e armazenamento tendem a ser limitados. A análise recuperou um pequeno número (10%) de patentes relacionadas à captura de carbono, indicando baixo interesse comercial nessa tecnologia. Recentemente, no entanto, os números mostraram um crescimento acentuado e encorajador.
As várias abordagens para capturar carbono se enquadram em quatro categorias: ciência dos materiais, biológica, química e geológica.
Abordagens da ciência dos materiais
As abordagens da ciência dos materiais, incluindo sistemas para captura de carbono dos gases de combustão, estão resumidas na Figura 3 e na Tabela 1. Entre elas, a captura pós-combustão é a mais amplamente utilizada, sendo indicada para retrofit em chaminés em usinas de energia existentes, mas emprega muita energia e, portanto, é cara para operar. Um método emergente, a captura direta do ar, em que o CO2 é capturado diretamente do ar, poderia ter uma ampla aplicação, mas esse processo é dificultado pela baixa concentração de CO2 na atmosfera e tem alto custo.
Tabela 1. Métodos da ciência de materiais: comparação dos processos de captura de CO2
Processos | Vantagens | Desvantagens | Dificuldade de adaptação |
Pós-combustão | Tecnologia mais madura, menos dispendiosa | Fluxo de baixa pressão com baixa concentração de CO2 prejudica a eficiência de separação, é difícil a separação de CO2/N2 | Baixa |
Pré-combustão | Fluxo de alta pressão com alta concentração de CO2, a separação de CO2/H2 é mais fácil | Funciona apenas para instalações de gaseificação ou reforma; nenhuma aplicação industrial ainda, oxigênio puro é caro | Moderada |
Oxicombustível | Separação fácil de CO2/H2O | Produção de oxigênio puro muito cara | Alta |
Looping químico | Separação fácil de CO2/H2O | Tecnologia em fase inicial; processo e equipamento mais complicados | Alta |
Os principais métodos de captura de carbono dos gases de combustão estão resumidos na Tabela 2. Dentre eles estão a absorção química com uma solução alcalina e a absorção física com solventes não corrosivos como metanol ou Selexol. Abordagens adicionais incluem adsorção em adsorventes sólidos porosos, que é bem estudada, e filtração por membrana, que é uma tecnologia emergente, mas ainda não é amplamente utilizada devido à baixa eficiência de separação de CO2.
Tabela 2. Métodos da ciência de materiais: comparação dos métodos de captura de CO2
Método | Processo mais adequado | Vantagens | Desvantagens | Maturidade |
Absorção | Pós-combustão | Tecnologia mais madura, menor custo, operação simples | Usa solvente corrosivo, alta perda de solvente, alta energia necessária para regeneração do solvente | Moderada |
Adsorção | Pré-combustão | Operação contínua, ecologicamente correta | Baixa seletividade de CO2, contato sólido/gás difícil de gerenciar para maximizar a capacidade de adsorção, muitos candidatos em potencial, desempenho real dos adsorventes difícil de prever | Baixa |
Membranas | Pós e pré-combustão | Sistema simples e flexível, ecologicamente correto, sem necessidade de regeneração | Baixa permeabilidade do CO2, uso intensivo de energia, material de membrana facilmente comprometido | Muito baixa |
Abordagens biológicas
As abordagens biológicas para a captura de carbono aproveitam amplamente a fotossíntese, que é responsável pelo maior influxo de CO2 na Terra. Vários materiais vegetais, como madeira ou algas, são convertidos em biocombustíveis (biomassa) para combustão, criando processos sustentáveis e neutros em carbono. As tecnologias baseadas em enzimas têm potencial como alternativas aos biossistemas. Um exemplo chave é a 1,5-bifosfato carboxilase/oxigenase (RubisCO) – uma enzima altamente abundante e pesquisada. Sua captura de CO2, no entanto, é naturalmente lenta, mas o trabalho em andamento visa aumentar a atividade da RubisCO para criar processos industrialmente viáveis.
Abordagens químicas
Existem também vários métodos químicos de captura de carbono, como processos catalíticos que envolvem a redução com hidrogênio, foram amplamente implantados em escalas de várias toneladas. Outros métodos bem utilizados incluem processos eletroquímicos nos quais são usados prótons e um catalisador para reduzir o CO2. Processos fotoquímicos, fototérmicos e fotoeletroquímicos usando energia limpa são uma perspectiva interessante, mas ainda são limitados pela transferência eficiente de energia luminosa para um substrato. Processos baseados em plasma também têm potencial, mas precisam de alta energia e requerem desenvolvimento adicional para uso na captura de carbono.
Abordagens geológicas
Os métodos geológicos de captura de carbono são uma solução chave para armazenar no longo prazo o CO2 longe da atmosfera. O CO2 capturado pode ser comprimido, transportado e injetado em formações geológicas porosas profundas ou aquíferos salinos. Este processo tem capacidade para armazenar gigatoneladas de CO2, mas é fundamental a seleção de locais adequados.
Análise da literatura sobre captura de carbono do CAS
A análise da literatura do CAS revelou uma baixa taxa de publicação sobre captura de CO2 antes de 2007, depois atingiu um pico no início de 2010 para então estabilizar (Figura 4). Houve menos publicações sobre pré-combustão e combustão oxicombustível, provavelmente devido à dificuldade econômica para adaptar as instalações atuais, mas, mais recentemente, as publicações aumentaram novamente. O depósito de patentes pareceu aumentar em 2012 e depois se estabilizar, indicando um interesse comercial contínuo.
A análise do CAS também mostrou que as publicações sobre vários métodos químicos de conversão de CO2 aumentaram rapidamente nos últimos seis anos em comparação com anos anteriores (Figura 5). Entre eles, houve maior interesse em metanação, processos mediados por plasma e métodos de deslocamento reverso água-gás.
Os números de publicação indicam um rápido aumento no interesse na fixação biológica de CO2, mas o registro de patentes tem sido constante, refletindo algumas tecnologias limitadas prontas para comercialização (Figura 6). Publicações sobre Bioenergia com Captura e Armazenamento de Carbono (BECCS), no entanto, tiveram grande interesse.
As publicações sobre o armazenamento geológico de CO2 aumentaram de forma constante e atingiram o pico em 2013, mas diminuíram posteriormente (Figura 7). Foram encontradas mais publicações com os termos de pesquisa como 'aquifer', 'saline', 'brine', 'shale' e 'clathrate' do que outros termos nos últimos anos, refletindo maior interesse nesses tipos de armazenamento.
Transformando o sonho em realidade
A análise da literatura feita pelo CAS de 18.500 publicações indica interesse substancial e rapidamente crescente em muitas das diferentes abordagens do sequestro de CO2. Atualmente, nenhum método predomina; há poucos que foram amplamente utilizados, mas a análise indica um esforço de pesquisa considerável para aproveitar as tecnologias existentes e desenvolver novas. Os números de depósitos de patentes foram menores do que os artigos de pesquisa, mas mostraram interesse comercial em algumas tecnologias. Os resultados mais recentes provavelmente refletem o aumento da conscientização pública sobre o aquecimento global e a percepção de que as ações para o combater são imperativas. A aparente correlação entre a atividade de pesquisa e as condições econômicas e o preço do petróleo pode diminuir à medida que a urgência aumenta. As tendências de publicação constatadas pelo CAS sugerem que o ritmo de pesquisa e implantação de tecnologia provavelmente continuará a um ritmo apenas sonhado em 2000 e agora é impulsionado pela realidade do aquecimento global, que se torna mais aparente.