Proteínas RAS, um alvo incerto?
Cerca de um em cada cinco tipos de câncer humano tem pelo menos uma forma de mutação RAS (K-RAS, H-RAS e N-RAS), tornando o RAS a família de genes com mutação mais frequente em cânceres humanos. As proteínas RAS, localizadas na membrana plasmática da célula, atuam como um interruptor molecular, que enviam sinais para o crescimento celular. No entanto, mutações nas proteínas RAS podem fazer com que elas fiquem constantemente ativas e enviem sinais de crescimento de forma incontrolável, o que leva à proliferação celular anormal e à formação de câncer.
Apesar de sua prolificidade, há uma nítida falta de terapias que tenham as proteínas RAS como alvo. Os inibidores de RAS vêm sendo investigados para o tratamento do câncer há mais de três décadas, mas as proteínas RAS passaram a ser conhecidas como “não passíveis de tratamento” devido ao seu potencial inibitório incerto – isto é, até recentemente. No início deste ano, a FDA aprovou o sotorasibe (desenvolvido pela Amgen e comercialmente conhecido como Lumakras™) para o tratamento do câncer de pulmão, o primeiro inibidor de RAS aprovado como terapia.
A aprovação do sotorasibe é um passo importante na inibição de RAS e os esforços de pesquisa e desenvolvimento na descoberta de outros inibidores de RAS se intensificaram. Aqui, exploramos como a lacuna está se fechando sobre as proteínas RAS – o que antes eram considerados alvos incertos e não passíveis de tratamento agora surgem como um tratamento promissor contra o câncer.
K-RAS: a mutação mais comum dos genes RAS
Os genes RAS codificam proteínas que existem em quatro isoformas: K-RAS4A, K-RAS4B, N-RAS e H-RAS. As isoformas de RAS mutantes, códons e substituição de aminoácidos variam de acordo com o tecido e o tipo de câncer, mas as mais comuns são as mutações na isoforma K-RAS, encontrada em aproximadamente 22% dos cânceres com mutação de RAS. Oitenta por cento (80%) das mutações K-RAS ocorrem na posição 12 do aminoácido, da glicina a outros resíduos, incluindo cisteína (G12C, 14%), ácido aspártico (G12D, 36%) e valina (G12V, 23%) (Figura 1).1
Descoberta das proteínas RAS como candidatas para o tratamento do câncer
Os inibidores de RAS podem ser identificados por meio de cristalografia de raios X. Com esse método, as estruturas da proteína RAS podem ser examinadas para identificar possíveis regiões de ligação para pequenas moléculas ocuparem o interior das células cancerígenas humanas. Esse tipo de abordagem, design de medicamentos baseado em estrutura, possibilita a descoberta de centenas de substâncias químicas que podem se ligar em regiões específicas. Os possíveis inibidores de RAS geralmente consistem em um esqueleto estrutural que é ligeiramente modificado com uma variedade de grupos funcionais para aumentar a atividade, a seletividade e diminuir a toxicidade. Isso resulta em compostos promissores que podem ser analisados, melhorados e testados com a esperança de avaliá-los em ensaios clínicos de câncer humano.
Para se ter uma compreensão mais profunda do cenário atual de inibidores de RAS, revisamos as patentes e publicações relacionadas a inibidores de RAS no CAS Content Collection™. A análise revelou 26.958 substâncias químicas com funções terapêuticas ou farmacológicas no espaço inibitório direto do RAS. O número de substâncias químicas e patentes neste espaço aumenta a cada ano, reforçando como o interesse de pesquisa e os esforços para a descoberta de inibidores de RAS estão acelerando (Figura 2).
A aprovação recente do sotorasibe da Amgen pela FDA levou a um aumento significativo nos esforços de pesquisa para a descoberta do inibidor de RAS. Sotorasibe é um inibidor covalente do KRAS G12C através da região Switch-II. Foi o primeiro inibidor de KRAS a ser aprovado para uso no tratamento do câncer humano e para tratar o câncer de pulmão de células não pequenas (NSCLC) com mutação KRAS G12C (Figura 3).2
Atualmente, quatro inibidores adicionais de KRAS-G12C estão em ensaios clínicos, incluindo MRTX849, que é baseado em uma estrutura central semelhante ao sotorasibe (Figura 4)2. Diferentes grupos funcionais resultaram em diferentes mecanismos de ligação a elementos-chave da região Switch II. O MRTX849 ganhou a designação de terapia revolucionária pela FDA para NSCLC positivo para KRAS G12C em junho de 2021.
A jornada continua: expandindo a amplitude dos alvos inibidores diretos de RAS
À medida que mais moléculas que se ligam a RAS são descobertas, mais superfícies nas isoformas RAS e proteínas RAS são identificadas como possíveis alvos de pequenas moléculas.
Como as isoformas de RAS mutantes, códons e substituição de aminoácidos variam de acordo com o tecido e o tipo de câncer, são necessárias abordagens variadas dos atuais inibidores de G12C para aumentar a variedade de terapias contra o câncer. Dentre as oportunidades futuras estão a expansão dos tipos de aminoácidos que podem ser alvo de inibidores, como G12D e G12V, o que pode ampliar os tipos de câncer que podemos tratar.
A porta de entrada agora está aberta para a inibição de RAS e, ao obter uma melhor compreensão da estrutura da oncoproteína RAS e da configuração da região de ligação para alvos de pequenas moléculas, poderão ser desenvolvidos e aprimorados novos inibidores de RAS para uma atividade ideal em cânceres com mutação de RAS.
Leia nosso relatório técnico para saber mais sobre a jornada contínua na descoberta de alvos de RAS, incluindo uma visão geral mais detalhada do cenário atual de estruturas químicas de inibidores de RAS e oportunidades futuras.
Referências
1. H. Chen et al., Small-molecule inhibitors directly targeting KRAS as anticancer therapeutics. J. Med. Chem. 63 (2020) 11404–14424. doi: 10.1021/acs.jmedchem.0c01312.
2. L. Goebel et al., KRASG12C inhibitors in clinical trials: a short historical perspective. RSC. Med. Chem. 11 (2020) 760. doi: 10.1039/d0md00096e.