Da luta contra os vírus ao combate aos tumores: aproveitando as vacinas de mRNA para o tratamento do câncer

CAS Science Team

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O aumento global de casos de câncer

O aumento de casos de câncer e a mortalidade associada vêm crescendo rapidamente em todo o mundo, impulsionados pelo envelhecimento da população, bem como pelas mudanças na prevalência e distribuição dos principais fatores de risco para o câncer. Prevê-se que serão diagnosticados 28,4 milhões de casos de câncer em 2040: um aumento de 47% em comparação com 2020.

O câncer de mama feminino ultrapassou o câncer de pulmão como o tipo mais diagnosticado de câncer, com uma estimativa de 2,3 milhões de novos casos em 2020 (11,7%), seguidos pelos cânceres de pulmão (11,4%), colorretal (10,0%), de próstata (7,3%) e de estômago (5,6%). Imunoterapias como os inibidores de checkpoint têm se mostrado um avanço crítico no tratamento do câncer. Apesar dessa descoberta, a imunoterapia não é uma panaceia para todos os tipos de câncer. Nem todos os tipos de tumor respondem aos agentes imunoterápicos e mecanismos de resistência podem levar à fuga e crescimento do tumor imune.

Embora a Food and Drug Administration (FDA) dos EUA ainda não tenha aprovado nenhuma vacina de mRNA para o câncer, ela forneceu a designação de terapia inovadora para a vacina experimental mRNA-4157-P201 (da Moderna) associada ao inibidor de checkpoint pembrolizumabe (da Merck) como terapia adjuvante em melanomas de alto risco após ressecção completa. Com o sucesso das vacinas de mRNA para a COVID-19, os pesquisadores estão confiantes que a tecnologia da vacina de mRNA pode ser aproveitada para tratar células cancerígenas. Sendo assim, poderíamos estar perto de integrar a terapia de mRNA no cenário do tratamento do câncer?

Fechando o círculo — vacinas de mRNA e câncer

Para muitos, pode parecer que as vacinas de mRNA contra a COVID-19 foram desenvolvidas de um dia para o outro. No entanto, a rapidez no design, fabricação e teste dessas vacinas não teria sido possível sem anos de pesquisa, que formaram a base para as vacinas contra gripe, citomegalovírus e zika.

Em 1995, uma pesquisa fundamental demonstrou que uma injeção intramuscular de RNA Nu, que codifica antígenos carcinoembrionários, poderia provocar respostas de anticorpos específicos de antígeno em camundongos. No ano seguinte, um estudo separado mostrou que células dendríticas transfectadas com mRNA injetadas em camundongos portadores de tumor induziram respostas imunes de células T e inibiram o crescimento dos tumores. Esse trabalho abriu caminho para numerosos estudos de exploração da viabilidade, eficácia e segurança das tecnologias baseadas em mRNA. Porém, a instabilidade, a imunogenicidade inata e a entrega ineficiente in vivo ainda limitam a vacina de mRNA e as aplicações terapêuticas. Um dos principais desafios enfrentados pelos pesquisadores foi como fazer o mRNA chegar aonde precisava ir; uma sequência de mRNA injetada no corpo sem alguma forma de proteção seria reconhecida como uma substância estranha e seria destruída.

O rápido desenvolvimento de vacinas de mRNA para tratar o novo coronavírus, o SARS-CoV-2, ajudou a acelerar o uso da vacina de mRNA da bancada para o paciente. Por exemplo, as vacinas da Pfizer-BioNTech e da Moderna demonstraram a eficácia de utilizar nanopartículas lipídicas (LNPs) para a entrega de mRNA às células-alvo. No fim de 2019, estimulados pela epidemia do SARS-CoV-2, tanto a literatura publicada quanto os pedidos de patente relacionados às terapias com mRNA aumentaram rapidamente em todo o mundo. Após 2020, o número de artigos publicados apresentou uma tendência de rápido crescimento, aumentando para 3.361 em 2021 e quase 5.000 em 2022. O número de pedidos de patente continuou em tendência ascendente após 2020, atingindo 382 em 2021, e estima-se que tenha aumentado para 510 em 2022 (Figura 1).

Blogs, revistas e patentes de terapias de MRNA figura1
Figura 1. Tendências globais de publicações em periódicos (à esquerda) e família de patentes (à direita) sobre terapias e vacinas de mRNA.

O sucesso das vacinas de mRNA para a COVID-19 revelou o potencial da plataforma de mRNA não apenas na expansão para outras doenças infecciosas, mas também para cânceres. Como os insights dos estudos sobre vírus possivelmente geraram informações para o trabalho de vacinas contra o câncer, aparentemente fechamos o círculo.

Recrutando o sistema imunológico — como funcionam as vacinas de mRNA contra o câncer

As aplicações do mRNA em vacinas contra o câncer são amplas, com os pesquisadores explorando várias estratégias para a imunoterapia contra o câncer:

  • Apresentação do antígeno: as vacinas de mRNA levam antígenos de câncer para células apresentadoras de antígenos (APCs) para a apresentação do complexo principal de histocompatibilidade classes I e II.
  • Função adjuvante: o mRNA estimula a ativação ligando-se a receptores de reconhecimento de padrões expressos por APCs.
  • Receptores de antígeno: o mRNA introduz receptores de antígenos, como receptores de antígenos quiméricos (CARs) e receptores de células T nos linfócitos.
  • Produção de proteína: o mRNA permite a expressão de proteínas imunomoduladoras, incluindo receptores do tipo toll (toll-like), receptores de quimiocinas, ligantes coestimuladores, citocinas, quimiocinas e diferentes formatos de anticorpos monoclonais em vários subconjuntos de células.

A terapia de mRNA para o câncer está ao nosso alcance?

Empresas como Genentech, CureVac e Moderna estão desenvolvendo vacinas de mRNA com codificação de neoepítopos que podem induzir respostas imunes contra tumores-alvo. Dezenas de ensaios clínicos estão testando vacinas de mRNA como monoterapias ou como parte de um tratamento combinado em pessoas com vários tipos de câncer, incluindo os cânceres pancreático, colorretal e melanoma. Diversos candidatos entraram nos testes de Fase 2, com eficácia favorável demonstrada em melanoma, câncer de pulmão de células não pequenas e câncer de próstata (Tabela 1).

Tabela 1. Vacinas de mRNA em ensaios clínicos de câncer (Fase 2 e posterior) 

Nome da
vacina
CAS Registry
Number®
Indicação
de doença
Antígeno Empresa
Autógeno cevumeran 2365453-34-3 Melanoma;
Câncer
colorretal 
Neoantígenos
específicos do paciente
BioNTech
mRNA 4157 2741858-84-2 Melanoma Até 34 neoantígenos Moderna
BNT 113 2882951-85-9 PV16+ carcinoma escamoso de cabeça e pescoço Antígenos derivados do tumor HPV16 (oncoproteínas E6 e E7) BioNTech
CV 9202 1665299-76-2 Câncer de pulmão de células não pequenas NY-ESO-1, MAGE C1, MAGE C2, TPBG (5T4), survivina, MUC1 CureVac
CV 9103 2882951-83-7 Câncer de próstata Mistura de quatro antígenos associados ao câncer de próstata  CureVac
SW 1115C3 2882951-82-6  Câncer de pulmão de células não pequenas; câncer de esôfago Neoantígenos específicos do paciente Stemirna Therapeutics
BNT 111 2755828-88-5 Melanoma Mistura de quatro antígenos associados ao melanoma BioNTech

Embora as vacinas de mRNA contra o câncer estejam atraindo o interesse da comunidade de pesquisa, historicamente a maioria das pesquisas oncológicas tem se concentrado nas terapias com mRNA, com uma ampla variedade de candidatos entrando em desenvolvimento clínico(Tabela 2), incluindo: 

  • TriMix-MEL (eTheRNA Immunotherapies), uma mistura de três mRNAs que ativam as principais células imunológicas contra o câncer. 
  • Uma terapia de mRNA (BioNTech) que codifica um anticorpo monoclonal direcionado à Claudin 18, uma proteína expressa em vários tipos de câncer.
  • Um mRNA encapsulado em LNP (MedImmune LLC) administrado por injeção intratumoral projetada para impulsionar a produção local de interleucina-12 (IL-12) e induzir imunidade antitumoral.

Tabela 2. Produtos terapêuticos de mRNA em ensaios clínicos de câncer

Nome do fármaco de mRNA CAS Registry Number Indicação de doença Empresa
TriMix-MEL; ECL-006; E011-MEL 2877674-59-2 Melanoma eTheRNA Immunotherapies
BioNTech-1; BNT 141; BNT-141; BNT141 2877707-22-5 Tumores sólidos BioNTech 
BNT-142; BNT142  2877707-34-9 Tumores sólidos BioNTech 
BNT-151; BNT151 2877709-82-3  Tumores sólidos BioNTech 
BNT 152; BNT152 2877709-92-5 Tumores sólidos BioNTech 
BNT 153; BNT153 2877709-93-6 Tumores sólidos BioNTech 
MEDI1191; MEDI-1191 2877712-03-1 Tumores sólidos Moderna
mRNA-2752 2878461-50-6 Tumores sólidos Moderna
SAR-441000 2879301-17-2 Tumores sólidos Sanofi, 
BioNTech 
SQZ-eAPC-HPV 2879306-51-9 HPV e tumores sólidos SQZ Biotechnologies

Transformando as vacinas de mRNA contra o câncer em realidade

Fizemos grandes avanços na tecnologia de mRNA contra o câncer nos últimos anos, mas ainda permanecem alguns desafios fundamentais. Em primeiro lugar, as vacinas de mRNA contra o câncer exigem sistemas específicos de embalagem e de entrega com uma afinidade adequada para o tecido/órgão alvo. Atualmente, os pesquisadores estão avaliando abordagens para facilitar isso, incluindo a conjugação de porções direcionadas a órgãos para oligonucleotídeos. Embora os LNPs sejam os veículos mais estudados para a entrega de mRNA, sua aplicação clínica tem sido impedida por preocupações com a citotoxicidade e do tempo de circulação relativamente curto. Portanto, estão sob avaliação vários sistemas de entrega inteligentes alternativos (por exemplo, exossomos) para melhorar a biodisponibilidade, carregamento e liberação da carga de mRNA.

A entrega bem-sucedida da carga de mRNA não é suficiente. Para garantir a eficácia máxima, os pesquisadores têm investigado abordagens para aumentar a expressão de proteínas in vivo. Todas as partes do mRNA — tampa, regiões 5′ e 3′, quadro de leitura aberto e cauda poliadenilada — podem ser otimizadas para aumentar a expressão proteica. Os nucleosídeos quimicamente modificados têm se mostrado promissores nesta área.

Além da quantidade de expressão de proteína, um obstáculo crucial para as vacinas de mRNA é o período relativamente curto de produção de proteína, que requer administrações repetitivas. Os mRNAs auto-amplificadores e circulares estão sendo explorados como estratégias para prolongar o tempo de vida do RNA e aumentar o rendimento total de proteínas.

Embora ainda haja muito trabalho a ser feito, as vacinas de mRNA são uma opção clínica versátil para o tratamento de vários tipos de câncer quando usadas sozinhas ou combinadas com opções de terapias já existentes, como inibidores de checkpoint. Enquanto aguardamos a chegada da primeira terapia de mRNA ao mercado, será empolgante explorar os resultados da infinidade de estratégias inovadoras que buscam enfrentar o aumento global de casos de câncer.

Para saber mais sobre vacinas e terapias de mRNA, leia nossa publicação revisada por pares no periódico ACS Pharmacology and Translational Science.